No calor das apurações das eleições no segundo turno, muitos jornalistas se apressaram em produzir conclusões a respeito dos resultados. Da mesma forma movimentos sociais e analistas políticos também emitiram pareceres a respeito do certame eleitoral. Mas o que, de fato, essas eleições nos indicam?
A grande imprensa aligeirou-se em construir uma narrativa a qual apontava uma fragorosa derrota do PT. Ao mesmo tempo, tratou de apresentar a direita neoliberal como a alternativa civilizatória possível contra o bolsonarismo. A mídia corporativa procurou imprimir o rótulo do radicalismo em Guilherme Boulos, como se as esquerdas fossem uma espécie de bolsonarismo de sinal trocado.
Analisou-se a respeito do pífio desempenho dos candidatos apoiados pelo Presidente da República. Muitos cravaram esse resultado como expressão do fim do bolsonarismo. Mas é preciso ir devagar com o andor porque o santo é de barro, como diz o ditado popular.
Uma coisa é a derrota pessoal dos “bolsonaros”. Outra é supor derrota da extrema direita nesse momento. Partidos de extrema direita elegeram mais ou menos 26% dos vereadores do Brasil. Para que tenhamos uma ideia do que isso representa, a centro esquerda/esquerda elegeu pouco mais de 20% dos vereadores…
Ora, a extrema direita não ganhou tantas prefeituras como se esperava, mas isso não significativa que ela não encontra eco na sociedade. Suas bases podem até abandonar Bolsonaro, mas sua presença não desaparecerá. A vitória do candidato do Republicanos – mesmo partido dos filhos do presidente e do prefeito do Rio de Janeiro, que acabou de ser preso – na cidade de Vitória é exemplo disso.
Ao mesmo tempo é equivocado dizer que o PT foi derrotado nessa eleição. Desastrosa foi a eleição de 2016 para o maior partido de massas das Américas. Os resultados eleitorais não são tão piores que os daquele ano. A derrota do PT foi há quatro anos, não agora. De um modo geral as esquerdas sobreviveram com muita dignidade ao tsunami extremista e à chegada da necropolítica.
Hoje, o que temos são expectativas frustradas, isso sim. Achávamos que poderíamos ao mesmo tempo derrotar a extrema direita e as oligarquias. Ou, senão, mostrar força suficiente que nos animasse para 2022… Não aconteceu. A esquerda (e com ela os movimentos sociais) estão confinadas e sem penetração na sociedade, isso sim.
Os resultados só confirmam duas coisas que já suspeitávamos anteriormente. A hegemonia conservadora que se estabeleceu pode ser de longa duração. E eleições como hoje estão formatadas não nos salvarão… Parte das esquerdas precisa parar de pensar apenas em postos e mais na organização popular.
Dessa forma, o campo popular está escanteado no cenário político. Sobrevive como pode e exerce o papel que lhe permitem nesse ordenamento de pós Nova República… Os resultados de 2020 reforçaram a percepção que, do ponto de vista eleitoral, estamos no começo de um ciclo conservador de longa duração na sociedade brasileira.
Enquanto ela ocupar esse espaço, será tolerada e consentida, desde que não ameace essa nova ordem. Se a centro esquerda/esquerda se tornar eleitoralmente viável, o estereótipo do radicalismo será colado. E o tal antipetismo rapidamente se transmuta em antiesquerdismo, em fantasma do comunismo etc..
Ao que me parece, os grandes vitoriosos do processo eleitoral deste ano foram as velhas oligarquias de sempre. Os mesmos grupos que arquitetaram o impeachment de 2016 e botaram o país de joelhos. Em tempos de profundas mudanças no cenário global, na economia e na tecnologia, concessões e pactuações com os trabalhadores estão fora de questão. Vão fazer de tudo para fazer valer seus interesses.
Neste cenário, reverter direitos sequestrados recentemente (reforma trabalhista e da previdência) é uma impossibilidade em curto prazo. Se houver a possibilidade de acenar eleitoralmente com isso, essas oligarquias não hesitarão em mobilizar os ressentimentos e o ódio como fez em 2018. Talvez sem Bolsonaro desta vez.
Falta ainda, ao grande capital, um nome nacional que transmita a sensação de jovialidade, empreendedorismo e de modernidade capaz de seduzir a população. Uma espécie de “sapatênis político” que caia no gosto popular. Mas pode ser questão de tempo…